Para aliviar a alma e incrementar palavras...
Bem vindos ao delicioso Pudim de Letras, onde a receita é simples: Bom humor, criatividade, esperança e nem um pouquinho de preconceito.

04 março, 2011

Foliã.

Ela nasceu em vinte e quatro de março de dois mil. Um pouco depois do carnaval.

E eu me lembro bem quando o médico veio ouvir o coração pela última vez, de dentro da minha barriga. Comparou as suas batidas, à bateria da Mangueira a todo vapor no carnaval.

Com os meus recentes dezessete anos, foi a primeira vez que eu me senti mãe. Ali, na ante-sala de parto, eu tinha certeza absoluta que estava a poucos minutos da estréia de uma pequena extensão de mim.

Muitas dores, muito medo, nenhum juízo e uma única certeza: a escolha era minha.

Trinta e seis semanas, quase nenhuma barriga, muita dor, culpa...

Raiou a luz na sala de parto. Envergonhada pela minha nudez, num choro contido, quase sem lágrimas, estreou Anna Julia.

Pouco peso e dona de uma saúde invejável. Estranha a sensação que senti a primeira vez que a peguei no colo. Era minha! Eu não queria devolver pro berçário.

Olhava os dedinhos, as orelhas... Fiquei um tempo considerável na porta do berçário, eu e ela. Senti uma coisa única. A boneca que eu tanto brincava na infância, agora tinha criado vida!

Já se passaram onze longos anos. E eu quis muito que ela crescesse logo para não precisar mais da minha ajuda no dever de casa, para eu não ter que escolher a roupa depois do banho, para eu não ter que decidir tudo por ela. Na verdade eu queria que ela não me desse mais nenhum trabalho.

Ora, ela cresceu! Tem vida própria!

E eu ensinei muitas coisas que serviam para “se virar sozinha”. Ela insiste em não querer aprender, porque tudo o que ela mais quer é estar sempre em minha companhia.

Só que hoje, aos quase onze, ela debate, fala o que sente, escreve e é intensa, assim como eu.

E não sei se é correto repreender, fazer sermão, garantir que eu to fazendo alguma coisa e deixar se perder a leveza da minha foliã tão cheia de vida, criatividade e autenticidade.

Se ela não fosse quase do meu tamanho eu pegava pelo braço e levava para brincar de pique - esconde, andar de bicicleta, correr e gastar bastante energia. Mas hoje, depois da minha insistência para ela crescer, ela acha tudo tão chato, tão óbvio, tão sacal e uma grande “pagação de mico”.

É nessas horas que eu queria muito que a sua infância inocente voltasse com toda força, e rever pequenininha, dando os primeiros passos, sujando muitas fraldas e me fazendo acordar de mau humor todos os dias às seis da manhã.

É carnaval, e deu uma saudade absurda daquele primeiro barulho, que parecia mesmo a bateria da Mangueira estremecendo para entrar na avenida e se fazer campeã.